O desencantamento pela profissão fê-lo voltar a uma infância que, no fundo, nunca tinha desaparecido. Cresceu rodeado de lã, sobretudo por influência da mãe, e, em 2006, criou a sua primeira marca “água de prata”, com a qual reinventou a utilização desta matéria-prima portuguesa de excelência.
Olá, João. Fala-nos um pouco de ti e do teu percurso
Eu chamo-me João Bruno, sou artista têxtil, embora o meu percurso no mundo das artes tenha acontecido de forma quase acidental. Eu estudei comunicação social e fui jornalista, efetivamente. Esse era o meu sonho efetivo. Desiludido com o mundo da comunicação, acabei por encontrar este caminho de forma acidental, como disse. Eu nunca persegui este sonho, isto não era um sonho, mas a lã, este mundo dos têxteis, encontrou-me. De certa forma, ele sempre esteve ligado a mim, porque desde criança eu tive contacto com o universo das lãs, essa semente esteve sempre lá, mesmo sem eu saber.
Que memórias transportas contigo desse universo?
As memórias que eu transporto e que mais guardo relativamente aos têxteis e à lã, em concreto, são plenamente sensoriais. A lã tem uma característica muito forte que é o cheiro, é muito distinto. A textura da matéria também é igualmente muito distinta, e no caso concreto da lã de Arraiolos, que é uma lã 100% virgem, mais distinta ela é. E depois tenho outras memórias, como gestual. Esta posição dos braços é algo que quem tem uma determinada idade vai se lembrar seguramente com as mães e com as avós de ajudar a dobar a lã.


Muitas das tuas peças são encomendadas. Como é trabalhar para um cliente?
90% das peças que eu faço são trabalhos por encomenda, com essa condição de que quase todas as peças, a não ser que sejam peças únicas exclusivamente, podem ser personalizáveis. Isto é válido na customização da peça, pode ser alterada em termos de dimensões, e sobretudo na escolha das cores. É a composição cromática que vai fazer uma peça diferente.
Qual é o papel da cor no teu trabalho?
A cor é uma das imagens de marca do meu trabalho. No que toca ao Arraiolos, às vezes até estão habituados a cores mais sóbrias, cores mais pastéis. Mas eu agarrei na lã de Arraiolos e fui buscar as cores um pouco mais vibrantes. E, portanto, isso tornou-se como uma marca de reconhecimento. Seja pela escolha da matéria, seja pela escolha das cores, das composições que crio, isso são dois traços significativos identitários da minha marca. E depois, obviamente, que a cor é uma linguagem universal, é algo que chega a toda a gente. Ninguém fica indiferente à cor. Sejas mais ousado ou mais contido, há sempre cor. A cor faz parte da nossa vida. A nossa percepção da cor é muda, obviamente, e é diferente de pessoa para pessoa, mas é uma linguagem que chega a toda a gente, e que nos transforma os dias. Não vivemos a preto e branco.
Já aconteceu a cor ser o ponto de partida para uma peça?
A cor é quase sempre o ponto de partida. Não especificamente na idealização formal da peça, porque a concepção da peça, da estrutura da peça, não está diretamente associada à cor, mas na execução é a cor que determina o processo de todo o trabalho.
Consegues eleger três cores que gostes de trabalhar?
O branco está quase sempre presente no meu trabalho. E muitas das vezes até de forma monocromática, porque também acontece. Mas, em termos de cores, eu elegeria os azuis, porque gosto muito de trabalhar a escala de cores; o amarelo, que é a cor, obviamente, mais luminosa e com vida que temos; e dentro da gama dos laranjas, os rosa velhos, adoro, combinado com um verde mais água ou mesmo com uns azuis mais suaves… Eu gosto de todas as cores.